Por que as histórias facilitam a aprendizagem

Por Michele Müller

Frederic de Courcy

Estudo com imagens do cérebro mostra que nosso envolvimento com as histórias é mais centrado nos personagens que nos fatos – conhecimento que pode tornar a educação mais eficaz.

 

O ensino só é eficaz quando há transformação. E para isso deve haver atenção, compreensão e memória. Na falha de um desses recursos, não há aprendizagem. E dificilmente alguma estratégia de ensino supera as histórias no desafio de conquistar cada uma dessas etapas.

Contar boas histórias requer um tanto de criatividade e de dedicação: temos que garimpar uma boa narrativa entre milhares e milhares; saber como contá-la, qual a linguagem adequada, em que momento, com qual intenção. Desafios aos quais qualquer bom educador se lança sem resistência. Afinal, se conseguimos entregar grande parte das informações em forma de histórias, aumentamos a chance de serem compreendidas e retidas.

Isso acontece por uma série de razões: elas envolvem personagens aos quais nos relacionamos emocionalmente – e emoções enviam para o cérebro a mensagem de que as informações são importantes; são facilmente visualizadas, o que é essencial para a construção de sentido; e naturalmente associadas com situações familiares, outro passo necessário na absorção de novos conhecimentos.

Nem precisa ser muito complexa e nem fruto de uma imaginação tão fértil. Nos bastidores do conhecimento acadêmico há sempre uma curiosidade, um fato interessante, que leva sabor aos conteúdos mais maçantes. Basta imaginar uma maçã caindo na cabeça de um cientista que descansava em uma árvore e ninguém mais esquece de Newton e sua teoria da gravidade. As crianças podem esquecer de muita coisa relacionada à independência do Brasil depois que passa a prova, mas a imagem de Dom Pedro com dor de barriga no momento da proclamação todas elas vão lembrar.

Há muitas histórias curiosas, misteriosas e engraçadas envolvendo nomes da ciência, imperadores, matemáticos e revolucionários – episódios que costumam estar de fora das apostilas, pois não são cobrados em prova. Enquanto as histórias fictícias são reservadas às poucas aulas de literatura, as curiosas vão para o rol da cultura inútil – a preferida de qualquer estudante. Então por que não dar mais utilidade a ela?

Informações consideradas importantes separam-se das histórias nos primeiros anos de escola – na mesma época em que o corpo é esquecido em uma carteira enquanto a mente luta contra divagações escapatórias em meio às jorradas de nomes e fatos difíceis de imaginar. Especialmente por quem viveu menos de uma década e não tem muitas experiências às quais poderia associar o novo conhecimento.

Outro dia eu estava ensinando uma criança a estudar a partir de um conteúdo de História elaborado para o quarto ano. Entre muitas outras informações, estavam as funções que Câmaras Municipais exerciam sobre as primeiras cidades na época do Brasil Colônia. Uma delas era a coleta de imposto. A criança não sabia o que era imposto. Também ficou confusa com a noção de que existe dinheiro público, que deve ser administrado por representantes do povo. “Se todos dão dinheiro aos membros da Câmara, eles eram muito ricos!”, concluiu.

Era hora da História virar uma história. Construímos a nossa própria. Ele era o presidente da Câmara de uma vila chamada São Vicente. Era necessário criar uma estratégia para defendê-la de uma possível invasão. Essa vila também sofria problemas de segurança e começava a atrair pessoas interessadas nos produtos manufaturados e cultivados na região. Do que esta vila precisava? Isso teria um custo? Quem iria pagar? Então um ladrão foi julgado, a prisão pegou fogo e uma praça foi construída, onde personagens portugueses conversavam sobre as riquezas recém-descobertas… Na hora de associar tudo aquilo ao conteúdo “sério”, ficou muito mais fácil entender.

A aprendizagem baseada em histórias não é nenhuma descoberta nova da neuroeducação. Intuitivamente, a humanidade sempre recorreu a elas como ferramenta para o ensino, especialmente de conhecimentos relacionados às virtudes e construção de caráter. E mesmo quando não são narradas com esses objetivos, habilidades como o uso adequado da língua e do vocabulário, coerência, criatividade, síntese e clareza são alguns dos ganhos cognitivos que acompanham essa prática. Há ainda, aqueles relacionados à inteligência emocional e social – poucos recursos são tão eficazes quanto as histórias no exercício da empatia e da compreensão das intenções do outro.

O que a ciência hoje nos traz é a comprovação do poder que elas exercem sobre a forma como absorvemos as informações. Não pelo roteiro em si, nem pela sequência de acontecimentos, ao contrário do que sugeriu Aristóteles há 2,3 mil anos. Mas especialmente pela forma como nos identificamos emocionalmente com os personagens envolvidos.

Uma pesquisa recente da Universidade de McMaster revelou, por meio de ressonância magnética funcional, que as pessoas se envolvem com as histórias de uma forma fortemente centrada nos nos estados mentais e psicológicos dos personagem e não nos fatos. O resultado se mostrou  o mesmo em narrativas verbais, gestuais ou feitas por ilustração: o network mais fortemente ativado foi o chamado de “teoria da mente”, que nos permite interpretar as intenções, motivações e emoções das outras pessoas.

Não há ficcionista ou contador de histórias que vá se surpreender com os resultados da investigação. O escritor americano Steward Brand resumiu perfeitamente essa relação com as histórias apontada no estudo:

“Montanhas aparentemente sólidas podem entrar em erupção de repente e avisos chegarem em forma de terremotos e cinzas. Como pura informação, não se mantém por três gerações. Mas adicione beleza, amores proibidos e mortes trágicas e a história será contada pelo tempo em que as pessoas viverem nas montanhas”.

 

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