A idade das birras

Por Michele Müller

Quando a ânsia por independência é incompatível com a maturidade, um comportamento intempestivo transforma os anjinhos em criaturas desafiadoras e aparentemente indomáveis. Quem tem um adolescente em casa, possivelmente presencia essa transformação. Mas também é muito provável que pais de crianças entre dois e três anos identifiquem seu filho na descrição. Afinal, muito se fala dos desafios que vêm com a adolescência, mas poucos se preparam para uma fase que apresenta semelhanças essenciais e acontece pelo menos uma década antes.

Tais semelhanças não são meras coincidências. Conhecida como “terrible twos” (os terríveis dois anos), essa etapa do desenvolvimento, tal como a adolescência, é marcada por grandes mudanças sociais, biológicas e, como consequência, comportamentais.

Na esfera biológica, em ambas as fases o cérebro vive o pico do que chamamos de poda neural. Como o nome sugere, ocorre uma espécie de limpeza nas conexões neurais, com a perda das mais fracas e menos usadas ao mesmo tempo em que ocorre o fortalecimento das mais importantes. Isso significa que o cérebro está descartando o que não usa para se especializar em funções cognitivas e sociais adaptadas ao ambiente.

No caso das crianças pequenas, há um rápido ganho de uma série de capacidades relacionadas ao controle motor, compreensão de conceitos básicos e, mais marcadamente, cognição social. Já os adolescentes refinam a capacidade de julgamento moral, têm autoconsciência e passam a buscar independência dos pais e aceitação do grupo.

Nas duas fases, os ganhos em termos cognitivos são mais rápidos do que o desenvolvimento de capacidades de controle de impulsos e gerenciamento emocional. Portanto, é comum que crianças pequenas – e também adolescentes – apresentem reações imaturas, descontrole das emoções e episódios frequentes de frustração, muitas vezes como resultado da impressão de que podem fazer mais do que realmente conseguem ou lhes é permitido.

Por trás dos rompantes temperamentais dos pequenos geralmente está também a dificuldade na comunicação do que querem e sentem. Com tempo de vida suficiente para entender tantas possibilidades que o mundo oferece, suas necessidades já vão muito além das básicas e seus sentimentos muito além do conforto e desconforto. Mas seu vocabulário ainda é limitado, bem como a habilidade de entender aquilo que querem comunicar.

O comportamento temperamental das crianças na faixa etária perto dos três anos pode também estar relacionado à dificuldade de entender as intenções dos outros, uma vez que, nessa fase, essa capacidade se desenvolve de forma acelerada, trazendo desafios e frustrações. Nesta idade, as crianças passam a interagir mais com colegas da mesma faixa etária, ganhando papéis sociais mais complexos – ao invés de apenas cumprir ordens, elas colaboram, buscam influenciar os outros verbalmente e julgam as atitudes dos colegas como certas ou injustas. Elas tendem a começar a olhar para o mundo de forma mais objetiva e passam a entender que devem agir de acordo com os padrões normativos do seu grupo.

O controle dos impulsos e a regulação emocional são desenvolvidos ao longo de toda a infância e adolescência a partir das interações sociais e do desenvolvimento de estruturas neurológicas que demoram a amadurecer. É, portanto, normal que certas etapas da infância sejam marcadas por reações exageradas às frustrações. Isso não quer dizer que elas devam ser permitidas ou encaradas com um resignado “vai passar, é da idade”.

Lidar com a frustração se aprende desde cedo. Cada vez que a criança consegue o que quer com um rompante emocional, ela vai aprender que esse tipo de reação é eficaz. E cada vez que sua atitude exagerada é ignorada, ela vai aprender que é aceita e vai tentar de novo, testando os limites dos adultos.

Ao invés de ignorar, gritar ou ceder, há formas mais eficazes de lidar com episódios dramáticos, ensinando a criança a regular suas emoções e agir com resiliência e flexibilidade diante de frustrações. Eis algumas:
– No dia a dia, ajude a criança a desenvolver suas habilidades de comunicação. Incentive-a a expressar suas emoções com palavras, aproveitando todas as oportunidades para ampliar o vocabulário relacionado às emoções e sentimentos. Quanto maior for a capacidade de comunicação, menor será o nível de frustração.

– Preveja os momentos de estresse e prepare a criança. Algumas situações que geram estresse na criança são previsíveis: em lojas, mercados, festas ou qualquer ambiente com muitos estímulos e possibilidades. Negocie com a criança antes, fazendo-a repetir o que foi combinado (vai escolher apenas uma coisa na loja, se perder no jogo deve agir de tal forma, por exemplo).

– Se a criança não cumprir o prometido, deve haver uma consequência, conforme combinado antes, que deve ser aplicada no mesmo dia. Mantenha a palavra e não faça ameaças que não poderá cumprir.

– Estabeleça rotinas. Crianças precisam de rotinas. Sem elas, a vida fica caótica, imprevisível e estressante, e elas se sentem inseguras, o que pode levar a episódios de descontrole. Refeições, higiene, jogos, brincadeiras e, principalmente, o sono devem ter horários pré-definidos. Rotinas garantem que as atividades sejam feitas sem questionar, tirando da criança o poder de negociar, protestar ou evitar o que precisa fazer.

– Ofereça opções limitadas. Permita que a criança faça escolhas, mas sempre dentro de limites apropriados. Dê a ela duas ou, no máximo, três opções de brinquedos, comidas, roupas, atividades, tudo aquilo que ela começa a ter autonomia para escolher. O excesso de opções com liberdade total de escolha pode gerar sobrecarga emocional.

– Quando a criança tiver um ataque de raiva, procure não repreendê-la na frente de outras pessoas. Se possível, retire-a do ambiente, abaixe-se para ficar no nível dela e fale de forma firme, direta e sem gritar. Ao invés de discursar, faça perguntas e dê a ela a oportunidade de se expressar.

– Discursos longos e repetitivos, explicando o porquê tal comportamento é inadequado, não têm efeito.  Seja direto e, se a criança resistir muito, o melhor a fazer é desviar o foco dela para outro estímulo ou assunto.

– Quando a criança estiver nervosa, ensine-a a respirar fundo três vezes. Ela pode por a mão na barriga e senti-la expandir. Depois, pode repetir a sequência se precisar. Essa é uma técnica simples e muito eficaz de regulação emocional.

– Fale com a criança sobre seus próprios sentimentos. Conte que frustração, raiva e decepção acontecem com adultos também, mas sempre passam. Você é o modelo de regulação emocional da criança.

– Reforce comportamentos positivos. Mostre que você percebe quando a criança se mostra madura e se comporta adequadamente. Ela vai perceber que é isso que se espera dela.

– Abrace a criança quando ela estiver insegura. Isso pode ser mais eficaz que palavras.

Michele Müller

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