Existem mentiras necessárias?
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22 junho, 2019

Existem mentiras necessárias?

Mentir raramente é uma boa estratégia. Mesmo aquelas mentiras consideradas inofensivas são associadas à pouca qualidade nas relações.

Os constrangedores "foras" e os puxões de orelha levados na infância ensinam que, para que a franqueza não seja interpretada como rispidez, algumas mentirinhas se fazem necessárias. Isso fica mais claro à medida que percebemos os próprios sentimentos feridos com a sinceridade alheia, o que torna a troca de mentiras não apenas aceita, como desejada em muitas situações.

Os exageros, falsas confirmações e elogios fazem parte de uma bajulação superficial que sustenta vaidades – prática aparentemente inofensiva e frequentemente usada como amparo de uma autoestima mal construída.

As pequenas mentiras costumam ser recrutadas nas relações que nascem e sobrevivem na fina camada da aparência. Aprendemos que elas não nos fazem menos honestos, pois cumprem um papel na manutenção dos relacionamentos. No entanto, é possível que a função da mentira nesses casos seja superestimada: há evidências de que mentir geralmente não é uma boa estratégia nem mesmo quando as intenções e expectativas nos levam a crer que sim.

Uma série de pesquisas da Universidade de Chicago constatou que a sinceridade tem mais valor do que costumamos atribuir a ela e torna a comunicação mais eficaz. Em um dos experimentos, participantes foram instruídos a agir de forma sincera em interações sociais durante alguns dias, enquanto outros deviam ser apenas agradáveis. Surpreendentemente, o grupo que praticou a honestidade relatou maior conexão social, contrariando a expectativa inicial de que a sinceridade prejudicaria as relações.

Pesquisas adicionais indicam que a expressão das emoções está relacionada a níveis mais saudáveis de pressão sanguínea e a graus mais altos de intimidade (Srivastava, 2009). Por outro lado, o hábito de guardar segredos pode ser prejudicial à saúde, como mostram estudos de Slepian, Chun e Mason (2017).

Art Markman e Bob Duke, autores de Two Guys in Your Head, argumentam que a honestidade é desnecessária apenas quando não faria diferença à outra pessoa. Ela não deve ser usada como ferramenta de ofensa, mas para compartilhar informações que beneficiem o outro – um exercício que exige empatia.

A má reputação da sinceridade está mais relacionada à forma como a verdade é dita do que ao conteúdo em si. A honestidade, quando expressa com cuidado, fortalece a confiança, reduz conflitos e promove a tranquilidade da consciência.

O filósofo e neurocientista Sam Harris é um defensor intransigente da verdade. Em seu livro Lying, ele argumenta que até mesmo as mentiras consideradas inofensivas podem corroer a qualidade das relações e gerar sofrimento desnecessário.

Segundo Harris: "Muitos de nós passamos a vida marchando em direção ao arrependimento, remorso, culpa e decepção. E em nenhuma outra circunstância essas feridas parecem mais autoinfligidas que quando mentimos aos outros. A mentira é a principal estrada para o caos."

Mentir pode parecer mais fácil no curto prazo, mas é a verdade que fortalece os laços e constrói relacionamentos significativos. Embora a verdade possa ser desconfortável, ela oferece uma base sólida para confiança e crescimento mútuo.

Leia também: Honestidade e a inevitabilidade da perda  

Citações:

  • Srivastava, S. et al. The social costs of emotional suppression: a prospective study of the transition to college. Pers Soc Psychol, 2009 (4):883-97.
  • Slepian, Chun, & Mason, The Experience of Secrecy, J Pers Soc Psychol, 2017 Jul;113(1):1-33.
  • Levine, E. et al. You can handle the truth: Mispredicting the consequences of honest communication, Journal of Experimental Psychology, setembro 2018.