Como a ação tira as emoções do controle, segundo a terapia japonesa
Categorias:

15 janeiro, 2019

Como a ação tira as emoções do controle, segundo a terapia japonesa

A primeira vez que a tarefa de lavar a louça do almoço ficou a cargo do meu filho, na época com quatro ou cinco anos, não foi por imposição. Foi por insistência dele. Subiu em um banquinho e apertou com satisfação o detergente, depois a esponja, observando a espuma se formar. Ficou completamente envolvido e entretido em uma atividade que geralmente fazemos de tudo para evitar.

1890 Baby’s Annual Pictures and Stories for Little People, autor desconhecido
1890 Baby’s Annual Pictures and Stories for Little People, autor desconhecido

Essa atenção aos detalhes e essa entrega total às sensações que uma ação tão simples pode proporcionar fazem parte da sabedoria infantil que desaprendemos à medida que vamos ficando mais autocentrados. Até algo corriqueiro como limpar os pratos e observar a espuma escorrer com água morna, quando feito com atenção, pode acalmar a mente. Tanto que a característica terapêutica dessa tarefa já foi tema de um dos ensinamentos do monge budista Thich Nah Than no livro O Milagre do Mindfulness.

Quando conseguimos recuperar a capacidade que as crianças têm de direcionar totalmente a atenção àquilo o que estamos fazendo, das mais simples às mais complexas atividades, libertamos a mente do labirinto de sentimentos, anseios e preocupações que passam longe do aqui e agora. A ação, executada com presença plena, é de onde parte a mudança no cérebro, no comportamento e nas emoções.

A partir desse conhecimento, que é um dos pilares da filosofia oriental, o psiquiatra e filósofo japonês Shoma Morita desenvolveu, há cerca de oito décadas, um método terapêutico para lidar com ansiedade, depressão e outros transtornos da mente.

A terapia Morita vem aos poucos influenciando terapeutas ocidentais interessados em propiciar aos pacientes a possibilidade de estar no comando do seu comportamento, independentemente de como se sentem, e assim, ter uma vida produtiva e saudável. Na essência dessa psicologia estão a ação, a atenção e a aceitação – três princípios familiares àqueles que têm um mínimo contato com o pensamento oriental.

Segundo a terapia Morita e outras que se baseiam em sua filosofia, não temos controle sobre nossos sentimentos. Tentar mudar o que sentimos com a força da vontade, com longas reflexões sobre a origem dessa emoção ou com pensamento positivo coloca os sentimentos no foco da nossa vida, reestimulando-os constantemente.

Como não podem ser controlados, nos resta aceitá-los. Aceitar o que sentimos da mesma forma como devemos aceitar eventos externos sobre os quais não temos como interferir: não podemos controlar o tempo, portanto lamentar o calor só faz aumentar o incômodo.

Já nossos atos são controláveis – temos total poder sobre eles. E as ações que escolhemos, desde a mais despretensiosa tarefa, exercem uma enorme influência sobre o que sentimos. Assim, para os seguidores de terapias orientais, a ação deve ser a grande guia dos sentimentos. E não o contrário, como geralmente acontece – especialmente na sociedade ocidental, movida pelos desejos e emoções.

Em geral, consultamos a nossa disposição antes de partirmos para a ação. Somos escravos da motivação. As atitudes são guiadas – ou evitadas – pelos medos, fraquezas, vontade ou desânimo. E a louça vai se acumulando na pia. A palestra nunca é feita. O projeto sonhado continua sendo adiado. O casamento não melhora. A depressão sempre volta.

Segundo um dos princípios da Terapia Morita, "o comportamento abana a cauda das emoções". Ao deixarmos que as ações abram o caminho das conquistas e da maturidade, estamos permitindo que sentimentos nasçam e morram, sem nunca deixá-los estar no controle. Conforme explica o psiquiatra americano David Reynolds em Constructive Living (Vida Construtiva), o mais recente de uma série de livros do autor sobre a linha terapêutica que desenvolveu a partir da sabedoria oriental:

"A Vida Construtiva coloca a responsabilidade do comportamento nas nossas mãos. Somos responsáveis por aquilo que fizemos. Ao mesmo tempo, ela nos permite a liberdade de sentir, reconhecer e até valorizar o espectro completo de sentimentos".

Apenas dessa forma, defende, é que a maturidade toma o lugar do desejo infantil de se ter uma vida sem dor. Sem o sofrimento, sem a experiência de chorar as perdas e as faltas, não amadurecemos de verdade. Não que a dor ou qualquer outro sentimento, por si, traga crescimento: a sabedoria se forma lentamente a partir da forma como respondemos a essas emoções. É isso que nos prepara para uma vida plena agora, bem como para a perda de tudo, quando ela chegar ao final.

A obsessão ocidental pela felicidade está nos levando a um estado constante de ansiedade, nos confinando aos rótulos e diagnósticos que nos fazem esquecer nossa natureza flexível e resiliente. Está nos tornando doentes e tornando a própria felicidade algo inalcançável.

Ao colocar as emoções e a busca por prazer contínuo no centro da vida, esquecemos daquilo que as crianças sabem bem: que na observação atenta àquilo o que está fora de nós, ao nos entregarmos de forma plena a uma atividade, é que por vezes não sentimos o tempo passar. E que essa satisfação, também reconhecida como felicidade, tem algo em comum com a dor: ela desaparece, mas sempre vai reaparecer.

Leia também: