Assim como o corpo, a mente necessita de cuidados constantes

Por Michele Müller

The Arabian Nights, 1916, autor desconhecido

A nossa saúde depende, em parte, das escolhas que fazemos. É fácil compreender essa relação quando nos referimos à saúde física: desde muito pequenos aprendemos que devemos comer salada, que alguns alimentos fazem mal, que é importante exercitar o corpo e que para ganhar equilíbrio e agilidade é preciso assumir um certo risco de se machucar. Mas a transferência dessas mesmas proposições para o âmbito da saúde mental, apesar de evidentemente necessária, é raramente feita de uma forma explícita pela educação formal.

Essa abordagem mais ampla exige o reconhecimento e compreensão da inevidente e ainda negligenciada relação mente-corpo e – o que é ainda mais desafiador – do complexo mundo das emoções, repleto de variáveis e de perguntas difíceis de responder e de cobrar em exames.

Os riscos de ralar o joelho ou torcer o pé costumamos encarar corajosamente. Já os riscos de feridas emocionais são muito mais ameaçadores. Entre a exposição e a proteção, ou entre o caos e a rigidez, exercitamos continuamente uma habilidade extremamente difícil de dominar: de atravessar essa linha tão estreita e frágil do equilíbrio mental, evitando inclinar-se para o lado dos excessos, sem pender para o lado das faltas. Os tombos são inevitáveis. Mas não há outra forma de aprender sobre os próprios limites – onde estão e como ampliá-los.

Entre os inúmeros fatores que nos servem de apoio estão os meios de nomear, organizar e expressar as emoções – capacidades que podem ser exercitadas com caneta e papel (ou em um teclado). O fato de ser escritora, portanto, facilita a execução do que Elizabeth Gilbert considera sua ocupação mais importante e dispendiosa: a administração de sua saúde mental, conforme colocou em entrevista ao programa Happy Place:

“Escrever é minha vocação. Meu trabalho verdadeiro, praticamente em tempo integral, é gerenciar minha saúde mental. Se eu não fizer isso, eu perderei o controle. Quando não estou escrevendo, tenho que encontrar outras formas de cuidar da minha mente (…).  Eu tenho uma lista de coisas que sigo diariamente para manter o “cachorro negro” a uma distância segura. Se me torno complacente e não faço essas coisas eu logo me pego em um estado muito negativo”.

Sua lista combina práticas físicas, emocionais e espirituais: o desenho, a dança, a meditação, o contato com os amigos e a escrita de cartas para ela mesma. Nessas cartas, um hábito que mantém há décadas e considera “o mais importante para a preservação de sua sanidade”, aconselha, consola e fala consigo sob outro ponto de vista, o que lhe permite um certo distanciamento do próprio sofrimento para que seja compreendido com mais clareza. Não se trata de espantar a tristeza, mas, contrariamente a isso, de sentir tudo o que for necessário sentir para evitar a paralisação causada pelos estados de depressão e ansiedade.

Ela refletiu, escreveu e proferiu, continuamente, a respeito dos sentimentos que vivenciou com a perda de sua companheira Rayya, no início do ano passado. São difíceis, são pesados, mas reconhece que são parte do luto e não sinais de depressão, um problema com o qual ela conviveu em outras épocas:

“A maior dor vem da resistência. Você tem se entregar para o luto. Se tentar lutar, você irá perder. (…) Tentar controlar e impedir o que não pode ser controlado e impedido é o que te faz sofrer e cria trauma que percorre gerações”.

Suas autoinstruções de como vencer essa sombra, que tira o sentido da vida de forma incapacitante, são baseadas na perspectiva de que a mente necessita de cuidados tanto quanto o corpo e que o equilíbrio é algo a ser buscado e trabalhado, com ações e atitudes que podem ser praticadas até se tornarem hábitos.

 

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