Como um imperador romano pode nos ajudar a construir resiliência nos filhos
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14 março, 2021

Como um imperador romano pode nos ajudar a construir resiliência nos filhos

Depois de meses em isolamento social imposto pela pandemia, meu filho adolescente, vendo a cena de um seriado em que um grupo de jovens estava rindo e conversando em um campus movimentado, comentou:
“É tão estranho ver isso... O mundo não é mais assim, parece que tem algo de errado nesta cena.”

Para os adultos, especialmente os mais extrovertidos, estar entre amigos faz falta. Para crianças e adolescentes é mais que isso: é uma necessidade. O que a família pode oferecer vai até um ponto. É no meio social que eles descobrem motivação para aprender, descobrem quem são, do que gostam, o que querem.

Então é normal que, mesmo no conforto de seus quartos, tendo conquistado horas extras de games e mantendo algum contato virtual com colegas, eles vivenciem, neste período, momentos de desânimo e desmotivação. Se há algo que torna mais fácil essa fase – e não apenas para os jovens – é passar por ela coletivamente. Isso faz com que todos percam um pouco o direito de reclamar. Mesmo inconscientemente, sabemos que temos a responsabilidade de fazer o mínimo que podemos para evitar que o ano torne-se ainda mais pesado, e esse mínimo é monitorar nossas doses diárias de lamentações.

As próprias crianças percebem isso: se todas as outras estão na mesma situação, é porque não adianta reclamar. O que nos faz amargos geralmente não é uma situação em si, mas o fato de nos sentirmos injustiçados ou em desvantagem com relação aos outros. Quando todos saem perdendo, ninguém mais é vítima.

É claro que o fato de meu filho ter considerado utópica uma cena de pessoas felizes reunidas aperta um pouco o coração. Para crianças, os meses são longos, pois a percepção de tempo é diferente. Claro que lamento a ausência da alegria que os amigos trazem para o dia a dia dele; e que lamento por todas as crianças a privação de estarem entre colegas, brincarem no parque, ensaiarem para apresentações. Mas lamentar não só é inútil, como alimenta o sentimento que nos incomoda.

Podemos reagir de forma diferente ao coração apertado diante dos filhos tristes ou às nossas próprias frustrações, que neste ano estão difíceis de contar. A forma como reagimos é o modelo que apresentamos às crianças de como lidar com adversidades. Isso não significa que nós, adultos, temos todas as respostas e que não devemos, também, ter um modelo a seguir.

Ter um guia para enfrentar dificuldades da vida pode nos ajudar a evitar muitos tropeços e a nos refazermos depois das quedas. Minha sugestão, inspirada nas incertezas e inseguranças que passaram a nos assombrar mais intensamente nos longos meses de epidemia, é buscarmos ajuda daqueles que dedicaram sua vida a descobrir e a ensinar como enfrentar adversidades de forma sábia, sem perder a tranquilidade, o equilíbrio mental e a capacidade de tomar boas decisões.

Quem pode nos guiar com maestria por esse conhecimento são os filósofos estóicos – mais especificamente aquele que pôde colocar as ideias estóicas na prática em situações extremas, sendo imperador de um reino que vivia uma época marcada por invasões violentas e uma pandemia devastadora, causadora de aproximadamente cinco milhões de mortes.

Marco Aurélio: Um modelo de resiliência

Marco Aurélio, o imperador filósofo, que governou Roma entre 161 e 180 d.C., teve muitas oportunidades de perder a cabeça e se deixar comandar pelo medo, raiva ou vaidade, como muitos fizeram naquela época tão marcada por conflitos violentos. Dizem que, no entanto, ele nunca perdeu a tranquilidade e o bom senso, mesmo tendo passado por inimagináveis situações de sofrimento, como a perda dos filhos e ver seu reino em guerras.

Talvez nós, que perdemos completamente a calma quando um voo é cancelado ou quando os planos são adiados, possamos aprender a pensar um pouco mais como ele. O imperador recorreu aos estóicos, mais especificamente Epiteto, para formar seu caráter. E com as constantes provações pelas quais passou, pôde também somar seus próprios pensamentos e práticas à filosofia.

Resumi parte de seus ensinamentos, que podem nos ser esclarecedores em momentos de ansiedade ou tristeza, em seis princípios estóicos. Por serem muito práticos, servem como passos que podemos exercitar e que, desde cedo, podem ser ensinados às crianças.


1. Aceite que a vida sempre trará adversidades e sofrimento.

Imaginar que felicidade é um estado constante ou um ideal a ser conquistado é ingenuidade e contraprodutivo. Quanto mais a perseguimos, mais ela escapa, pois essa busca traz frustração constante.
Essa é uma mensagem importante de se passar às crianças desde cedo. Sentimentos presumidamente opostos fazem parte da mesma composição, um permitindo a existência do outro. Ninguém é corajoso sem ter experiência do medo, assim como não existe felicidade sem a tristeza ou força sem dor.


2. Tenha em mente que o objetivo da vida é ação.

Se felicidade não é um objetivo a se almejar, o que verdadeiramente nos motiva a sair da cama de manhã? Para os estóicos, o propósito que nos move é a sabedoria, é podermos nos tornar melhores e mais fortes. Marco Aurélio falava em ação.
Agir de forma sábia em todas as situações é cumprir nosso propósito de deixar o mundo um lugar um pouco melhor. E para agir de forma sábia, é necessário o esforço e o sofrimento. Às crianças, podemos ensinar isso valorizando o que elas fazem pelos outros, reconhecendo seu esforço, elogiando sua coragem de aceitar desafios, de arriscar e errar.


3. Tenha confiança de que é mais resiliente que imagina.

Essa é a boa notícia dos estóicos. Quando aprendemos a confiar na nossa capacidade de recomposição e de adaptação às circunstâncias, avançamos com coragem. Não à toa, estoicismo é fortemente associado à resiliência mental – e também física.
Um estóico, ao levar o filho para ganhar uma injeção, não diria para não ter medo, porque não vai doer. Diria que é possível que doa, mas a dor é uma sensação que faz parte da vida, ele irá aguentar porque é forte e logo passará.


4. Não lamente os infortúnios.

Os estóicos tinham consciência da relação da linguagem com o pensamento que, por sua vez, influencia os sentimentos. Lamentações e reclamações são uma forma de alimentar as sensações que queremos evitar.
O melhor a pensar, segundo Marco Aurélio, é que não são as circunstâncias que são boas ou ruins e sim o julgamento que fazemos delas.
“Reclamar é o contrário de remédio: pode aliviar na hora, mas faz a gente se sentir pior depois.”


5. Reflita se você tem realmente algum controle sobre a situação.

Isso te fará concluir que quase nunca tem. Então simplesmente aceite e deixe passar. Por mais que gostaríamos, não temos controle sobre as pessoas e muito menos sobre situações que acontecem conosco.
Podemos, no máximo, servir como influência aos outros. Nem mesmo sobre o que sentimos depende de nós. Marco Aurélio lembra que os sentimentos não nos definem e sim nossas ações, pois é sobre elas que temos controle.


6. Considere a possibilidade de situações e pessoas te decepcionarem.

Parece pessimismo? Não gastamos uma quantidade razoável de dinheiro em seguros? Eles não servem para nos desanimar e sim para nos tranquilizar.
Podemos ensinar desde cedo às crianças a considerarem a possibilidade de planos darem errado, dizendo coisas como:
“Se der errado, não faz mal, tenta novamente”; “a vida nem sempre é justa, quanto mais cedo você se acostumar com isso menos vai sofrer” ou “deu errado? Que bom, você aprendeu com isso”.


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