10 maio, 2017
Problemas psiquiátricos merecem uma abordagem abrangente e não devem ser comparados a doenças como diabetes
Uma série de pesquisas realizadas em diversos países europeus apontam que o foco nas raízes biogenéticas é uma forma inapropriada de combater a rejeição às pessoas que convivem com distúrbios como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo e esquizofrenia. Ou seja, ao contrário do que defende a mídia, a forma reducionista com que essas questões vêm sendo tratadas pela medicina – explicadas como doenças provocadas por desequilíbrios químicos que podem ser corrigidos com medicação – aumenta o estigma dos problemas mentais.
Muitos pesquisadores da área de saúde mental estão engajados em investigar e divulgar abordagens mais amplas, que não ignoram o peso dos fatores psicossociais nos transtornos. Recentemente, dezenas de profissionais da psicologia redigiram uma carta aberta à BBC, criticando a abordagem exclusivamente biogenética utilizada pela emissora inglesa em uma série de documentários sobre saúde mental, que formaram o programa In The Mind. Ao abordar as questões como doenças, cujo tratamento reside invariavelmente nos produtos farmacológicos, os programas acabaram criando um risco de fortalecer a imagem que intencionaram combater, levando ainda mais pessoas a buscar nas farmácias soluções para problemas que, em muitos casos, podem ser investigados e tratados de uma forma mais completa e eficaz.
Segundo o documento, os programas ignoraram completamente os debates acerca da influência do meio no aparecimento dos sintomas, alegando que são necessariamente e unicamente manifestações biológicas. Afinal, segundo os autores da carta protesto, apesar dos avanços da neurociência, ainda hoje não existem marcadores biológicos para os distúrbios citados – motivo pelo qual há sempre tanta controvérsia com relação aos diagnósticos psiquiátricos.
Uma das consequências dessa visão reducionista dos problemas mentais está no papel que representam os fármacos, que dessa forma se transformam nos protagonistas de qualquer episódio psiquiátrico. Ao reduzir os problemas a uma determinada combinação genética e a um desequilíbrio de neurotransmissores, tira-se do paciente qualquer motivação para alterar as condições do meio e recondicionar o próprio cérebro – o que, graças à incrível plasticidade cerebral, vem se mostrando possível até em casos de desordens mentais mais severas.
Não se trata de um manifesto contra medicação, que em alguns casos é necessária e eficaz, mas de uma forma de abrir as possibilidades para lidar com os sintomas. “Seus programas não apresentam equilíbrio entre histórias de pessoas que estão resignadas a viver com o que elas mesmas consideram doença e aquelas que encontram outras formas (além ou alternativas ao medicamento) de conviver com experiências difíceis ou até de superá-las”, escreveu a equipe à emissora inglesa.
Exemplos de sucesso, apesar de ignorados pela mídia e vistos como alternativos pela medicina psiquiátrica tradicional, não faltam para provar que assim como pode ser determinante para o aparecimento dos sintomas, o meio e as circunstâncias psicossociais são fundamentais na superação das dificuldades.
Um dos maiores casos de sucesso nasceu na década de 1980, no interior da Finlândia, em uma região que sofria com um dos maiores índices de esquizofrenia da Europa. Hoje, profissionais de Nova York e vários outros países europeus que representam a abordagem chamada Open Dialogue colecionam histórias de sucesso na recuperação dos mais severos casos de psicoses.
Estudos que acompanharam durante 30 anos casos de esquizofrenia na Finlândia apontam a impressionante incidência de 74% de retorno à vida produtiva entre os pacientes tratados com surtos psicóticos por meio desse método. Na Inglaterra, onde, assim como no Brasil e Estados Unidos, os antipsicóticos são o principal – quando não o único – meio de tratar esses pacientes, o mesmo índice está em 9%, segundo dados divulgados pelo jornal Independent.
O tratamento oferecido pelo Open Dialogue não exclui o fármaco, mas o desloca para segundo plano, sendo inclusive dispensado em muitos casos. Tem como princípio o atendimento intensivo, sendo o primeiro encontro preferivelmente dentro de 24 horas depois da crise, sempre em casa ou em um local da escolha do paciente. A base da abordagem está, como o próprio nome sugere, no diálogo – que necessariamente envolve a família ou as pessoas mais próximas do paciente. A partir da reflexão, que geralmente remonta a momentos de extremo stress e trauma, o paciente encontra novas perspectivas e sente que, aos poucos, ganha mais controle sobre sua própria mente.
Muito se estuda sobre o fator genético na manifestação da esquizofrenia, por enquanto com poucos resultados relevantes ou práticos. Um dos maiores investigadores dos fatores psicossociais ou biológicos por trás dos surtos psicóticos, Brian Koehler, supervisor do programa de pós-doutorado de Psicoterapia e Psicanálise da Universidade de Nova York, defende que geralmente as diferenças biológicas encontradas em diagnosticados com esquizofrenia são resultados de circunstâncias demasiadamente estressantes, apesar de existirem variações genéticas que favorecem o aparecimento dos sintomas.
No topo disso, está o preconceito que a visão do problema mental como doença cria. Uma meta-análise realizada em 2011 por pesquisadores do Centro de Saúde Mental Pública da Áustria concluiu que “a ênfase no modelo de causa biogenética é uma forma inapropriada de se reduzir o estigma da doença mental”. Se as causas podem surgir das diversas esferas que contribuem para a formação desse grande mistério subjetivo que é a mente humana, todas elas devem ser valorizadas e consideradas na busca pela recuperação da saúde.
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