As dúvidas, inseguranças e desencontros da comunicação virtual

Por Michele Müller

Frederick Sandys – The waiting Time

As mídias digitais revolucionaram a comunicação tão rapidamente que a ciência pouco tempo teve para investigar o impacto que essas ferramentas representam na forma como nos comportamos e nos relacionamos. Psicólogos da Edge Hill University, na Inglaterra, publicaram artigo no Trends in Cognitive Science defendendo que mais investigações sobre a utilização de emojis e emotions sejam feitas pelas áreas da psicologia e linguística, já que, segundo eles, 90% das pessoas que recorrem à comunicação online incorporaram esses ícones na forma como se expressam.

Em 2015, a “palavra” do ano, eleita por uma comissão do dicionário Oxford, foi, pela primeira vez, um pictograma. A palavra escolhida é avaliada como a que mais reflete as preocupações e o comportamento da sociedade naquele período. Segundo jornais ingleses, o emoji da risada representa 20% de todos os enviados naquele ano. No ano anterior, depois de analisarem centenas de milhares registros escritos on-line, agências de levantamento de informações constataram que a “palavra” mais usada também foi um símbolo.

Os amantes da língua podem perceber nessa tendência uma ameaça, um empobrecimento de vocabulário. Mas a comunicação pictográfica não surgiu para substituir a palavra: veio para ocupar o lugar das formas não verbais de comunicação – as mais reveladoras e poderosas.

Em um nível inconsciente, estamos constantemente buscando sinais que demonstrem as intenções do outro, ao mesmo tempo em que mandamos mensagens subliminares das nossas. É nesses sinais que encontramos feedback para regular nossas próprias ações e nos enxergar pelos olhos dos outros.

Nossa capacidade de “leitura de mentes” é bastante sofisticada: percebemos mudanças sutis na entonação da palavras e no espaçamento entre elas, no tom da voz, em gestos, expressões faciais, na postura e no olhar. Mas os comentários em redes sociais as mensagens enviadas por What´s App, que se transformaram na nossa principal forma de comunicação, não nos dão acesso a nada diss. Trocamos tantas mensagens, que mesmo o contato telefônico – que apesar de filtrar alguns indicadores emocionais, permite a leitura de outros – vem perdendo seu papel.

Os emojis entram em cena numa tentativa de transmitir a emoção e o tom que acompanham as palavras nas interações sociais mais completas, já que elas estão se tornando mais raras. Sem o acesso à riqueza de informações processadas inconscientemente na presença física, contamos com uma forma resumida e intencional de enviar mensagens; passamos a depender mais da razão para interpretar e nos fazer entender – o que aumenta consideravelmente a chance de desentendimentos.

Fomos empurrados para o ambiente virtual sem termos aprendido a usá-lo com eficiência. Nem todos sabem utilizar os recursos disponíveis. Muitos se intimidam com a tecnologia e têm medo de não se expressarem adequadamente – uma reação compreensível diante de um meio que gera recorrentes interpretações distorcidas até mesmo entre aqueles que se consideram bons comunicadores.

É natural que, para alguns, o fato de uma conversa ficar registrada por escrito, não podendo ser retirada do aparelho do receptor, cause desconforto. Afinal, besteiras que dizemos são esquecidas, morrem na hora. Já o que é enviado por escrito pode ser relido, repassado e até ser usado contra nós.

No extremo oposto estão os narcisistas. Nunca foi tão fácil identificá-los. Agem como aqueles que passam fazendo poses do lado reflexivo dos espelhos unilaterais, sem se importar com o julgamento do observador oculto que está do outro lado. Sem o feedback momentâneo enviado de forma subliminar pelas pessoas com quem interagem diretamente, esquecem que excessos desgastam a imagem.

Entre não estar nem aí para o que outros pensam e se preocupar demais com isso existe um campo central necessário para o convívio social saudável – um ponto de equilíbrio que a exposição permitida pelas redes sociais e pela comunicação virtual está tornando difícil de alcançar.

Também existe a dificuldade de lidar com a ansiedade que o excesso ou a falta de mensagens pode gerar. Receber constantes notificações pode causar dependência tecnológica, pois ativa o sistema de recompensa do cérebro – aquele que nos faz querer mais daquilo que traz sensação de prazer. Quem alimenta essa dependência diariamente é vítima do lado perverso da tecnologia, que atira para o vazio existencial aqueles que não sabem lidar com o silêncio.

É difícil manter a autoestima inabalada por muito tempo quando a comunicação se torna urgente e invasiva, mas ao mesmo tempo é incompleta. Mensagens lidas e não respondidas incomodam e magoam; mensagens interpretadas como secas ou muito diretas causam angústias e dúvidas. Diante exigências e das possibilidades da tecnologia, alguns se retraem e outros exageram. São formas diferentes de lidar com nossa inevitável dependência de afeto e aceitação em um meio ao qual estamos tentando nos adaptar.

 

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