As vantagens de uma mente flexível em um mundo dinâmico

Por Michele Müller

“La Mode”, from J. J. Grandville’s Un Autre Monde (1844)

Depois de trocar algumas vezes de canal, você começa a ver um filme, do qual nada sabe a respeito. Minutos depois, sem que ninguém lhe diga, você já sabe se a história é atual, futurista ou de algum período do passado. As roupas, os cabelos, a linguagem e cortes de cabelo ajudam a marcar cada época.

A humanidade sempre esteve em constante transformação e adaptação. Mas as vividas nas últimas décadas são muito mais profundas que qualquer mudança de estilo ou tendência de época. E também são bem refletidas nos filmes atuais: a comunicação entre os jovens acontece em grande parte em ambientes virtuais, pessoas trabalham e estudam a distância, a informação é propagada de forma incrivelmente rápida, a tecnologia é usada  como extensão do cérebro.

Essas novidades impactam a forma como pensamos e vivemos. Passam a ser parte do material que forma nossa identidade. Interferem em nossos sentimentos e ações e moldam a maneira como interagimos com o mundo. Hoje, a maior parte dos nossos planos, relacionamentos, conhecimentos e até ansiedades são gerados a partir de recursos que passaram a existir há pouco tempo. Em dez anos, possivelmente estaremos dedicando parte de nossas vidas a uma atividade que hoje ainda nem foi criada.

Em contrapartida, dentro de dez anos, os ninhos das aves continuarão sendo iguais ao que sempre foram, os cachorros continuarão usando os mesmos recursos para se comunicar com os humanos e os gatos de seus filhos terão as mesmas habilidades dos gatos de seus avós. Ao contrário de todas as outras espécies, nós temos o impulso de inovar, criar e viver em um ambiente dinâmico e imprevisível e, de maneira incrivelmente rápida, adaptar-nos às mais drásticas mudanças. Isso só é possível porque temos uma capacidade fundamentalmente humana, que chamamos de “flexibilidade cognitiva”.

Conforme explica o físico e escritor Leonard Mlodinow, em Elástico (ed Zahar, 2018), hoje vivemos em ambientes quase que inteiramente construído pela nossa imaginação.

“Embora o pensamento elástico não seja um novo talento da espécie humana, as demandas deste momento da nossa história trouxeram essa habilidade do segundo para o primeiro plano e a transformaram em uma aptidão crítica até mesmo para questões rotineiras do âmbito profissional e pessoal. Não se trata mais de uma ferramenta especial daqueles envolvidos na resolução de grandes problemas, inventores e artistas. O talento para o pensamento elástico é um fator importante para o sucesso de qualquer pessoa”.

 Todos naturalmente têm uma dose de flexibilidade e essa nossa qualidade sempre foi necessária para o sucesso nos relacionamentos e na resolução de problemas. No entanto, assim como a flexibilidade muscular, a cognitiva apresenta imensa variação entre as pessoas. Da mesma forma como acontece com o músculo, a mente tende a enrijecer quando sua elasticidade não é exercitada.

 O cérebro é projetado para aprender e mudar com a aprendizagem, mudar e aprender com a mudança. Sua complexidade nos possibilita desde mudanças rápidas de foco, quando recebemos estímulos diferentes, a transformações profundas na forma como agimos e pensamos, de acordo com a necessidade e o ambiente. Quanto mais nos permitirmos conhecer o incerto, mais treinamos a capacidade de adaptar a forma de agir e de pensar de acordo com a necessidade que encontramos. A flexibilidade cognitiva depende das mudanças e ao mesmo tempo as torna possíveis.

 A velocidade com que que a informação hoje é distribuída e os saltos de inovação em todas as áreas do conhecimento colocam a rigidez em enorme desvantagem. A resistência a mudanças costuma sempre perder. E hoje elas são muitas, exigindo tanto das empresas, quanto das pessoas, uma capacidade de aprender, reaprender e se adaptar de forma contínua. Por conta disso, a flexibilidade cognitiva entrou na lista das competências que serão mais valorizadas pelo mercado nos próximos anos, de acordo com o relatório O Futuro do Trabalho, do Fórum Econômico Mundial.

Com muitas ocupações tornando-se desnecessárias e tantas outras sendo criadas, devemos estar preparados para mudar de atividades ao longo da vida profissional. Fazer carreira ganhou outro significado e hoje, mais que nunca, requer mente aberta a mudanças e a novas oportunidades.Pessoas flexíveis tiram proveito do que o novo tem a oferecer e não esperam sentir-se prontas para assumir algum risco, pois sabem que nunca estarão.

O conhecimento é um produto da ação, e não o contrário. A escritora Elizabeth Gilbert lembra que todos aqueles que alcançaram grandes conquistas questionaram-se se já estariam prontos para enfrentar o incerto. E talvez nunca se sintam prontos, pois mentes flexíveis sabem que nunca estamos, que somos uma espécie em constante transformação. Com a mente aberta para as novidades, os ginastas mentais são hoje quem mais aproveita as oportunidades, usufrui dos benefícios das inovações e contribui para que o mundo continue evoluindo. 

 

** Se você quiser aprender mais sobre flexibilidade cognitiva e como exercitar essa habilidade, você pode fazer meu curso on-line ou contratar um curso in-company,

 

Leia também: Por que as escolas devem investir em competências não acadêmicas 

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