Questões complexas apresentam muitas verdades, às vezes contraditórias

Por Michele Müller

“Parece haver uma espécie de acordo entre os cientistas. Enquanto usarem meios e métodos estatísticos, suas informações são consideradas científicas”, observa o filósofo e psicanalista alemão Erich Fromm em Patologia da Normalidade – obra escrita na década de 50, mas incrivelmente contemporânea.

Quem conhece os bastidores da ciência sabe que reconhecer um trabalho como científico não significa tê-lo como verdade. Para cada estudo que chega a resultados contrários ao interesse de um determinado grupo, surge outra investigação afirmando o oposto.

É preciso buscar informações contraditórias, sem o medo de mudar de ideia, para se chegar a alguma conclusão inevitável: questões complexas trazem várias verdades e também muitos enganos. Portanto, mesmo que um trabalho científico revele uma verdade, será apenas uma parte dela. Ainda assim, o fato de ser considerado ciência leva muitos a relacionar com o inquestionável – uma relação que Fromm compara à religião.

“As pessoas (tanto as leigas como os próprios cientistas) acham que o pensamento científico pode oferecer aquilo o que a religião oferecia há centenas de anos: a certeza absoluta. Elas não toleram incertezas. Por isso a ciência tornou-se a nova religião, com novas certezas sobre a vida, o que garante um senso de segurança”.

Buscar o conforto de uma verdade única e bem definida nos torna inflexíveis, incapazes de aceitar o incerto e indiferentes ao fato de que a verdade tem faces escondidas e muitas vezes fora de nosso alcance.

Questões complexas – como consciência, comportamento e saúde mental – são multifatoriais e podem envolver afirmações contraditórias. Enxergá-las de um único ângulo resulta em uma visão reducionista, e, portanto limitada, o que leva a abordagens e tratamentos limitados e muitas vezes ineficientes.

Tratar problemas do como depressão e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) como consequências de um desequilíbrio químico no cérebro é um grande exemplo de como a visão reducionista pode ser atraente – talvez por ser simplificada e mais fácil de entender. Reduz a questão a uma simples explicação biológica, excluindo da equação fatores sociais, culturais e até mesmo outros fatores físicos.

“Não podemos colocar a saúde mental de um lado e a nossa cultura contemporânea do outro, como um ponto fixo, mas temos que entender as implicações – quais os elementos da estrutura que favorecem a saúde e quais favorecem a doença”, escreve Fromm.

Em uma conversa com David Chalmers e Marcelo Gleiser, o neurocientista português Antônio Damásio lembra que, de fato, é necessário quebrar as questões em partes para estudá-las e e esse é o papel fundamental da ciência. O problema é quando essas partes se mantêm isoladas, sempre levam a respostas reducionistas.

“Quando separamos os mecanismos com a intenção de entendê-los, é comum esquecermos de colocá-los de volta em seu lugar – e o brinquedo acaba quebrado. Quando temos uma perspectiva reducionista e estreita, não conseguimos chegar a uma boa resposta”.

Benjamin Betts – Geometrik Psikoloji

 

Leia também: A fragilidade das certezas

Contra a rigidez e o conformismo

Sobre a beleza das palavras

 

Michele Müller

10 maio 2017

Somos feitos do que nos quebra

Muito antes da palavra autoajuda entrar para o nosso vocabulário, quem estivesse em busca de ensinamentos sobre como viver encontraria conforto na filosofia. Procurar soluções sensatas para os

Michele Müller

23 novembro 2017

Sem humor, perdemos o senso de realidade

Por fugir do óbvio e apresentar novas e surpreendentes formas de interpretar um determinado tópico, o humor é uma expressão de criatividade. Como define o neurocientista Rex Jung,

Powered by tnbstudio