Por que as escolas devem investir em competências não acadêmicas

Por Michele Müller

O desempenho acadêmico na infância está longe de ser garantia de uma vida bem-sucedida. Apesar de bem-vindas e desejadas, as boas notas – ao menos nos sistemas educacionais mais tradicionais – pouco revelam sobre alguns dos atributos mais valorizados em um mundo transformado pela informação, velocidade e automatização. Mas quais são esses atributos?

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Essa foi a pergunta de partida para o início de uma mudança profunda na educação no estado americano do Kansas. Para investigar quais são as capacidades que hoje integram a fórmula da realização pessoal e profissional de jovens, autoridades à frente de um projeto de reestruturação completa do sistema entrevistaram milhares de líderes, profissionais de destaque, pais e educadores.

A pesquisa revelou que 70% das habilidades citadas pela comunidade não são consideradas acadêmicas, ou seja, não fazem parte do currículo obrigatório. No grupo dos líderes de negócios, as qualidades que não se avaliam nas escolas responderam por mais de 80% das listadas.

A partir dos resultados, educadores estão desenhando uma mudança profunda na educação do Estado do Kansas, em um projeto tão audacioso que está sendo comparado às missões que levaram o homem à lua no mandato de Kennedy. Os sete distritos selecionados para dar início às mudanças foram batizados de Mercury Seven e cada um é representado por um astronauta da missão espacial.

O desenvolvimento social e emocional, maturidade pré-escolar, planos individuais de estudo são alguns dos pilares que sustentam o plano de remodelagem educacional. As escolas irão basear suas atividades interdisciplinares em projetos construídos pelos alunos.

Para promover o desenvolvimento de habilidades não acadêmicas valorizadas pelo mercado e consideradas fundamentais na formação de pessoas bem sucedidas, o novo sistema irá redirecionar o foco do conteúdo para competências comportamentais (soft skills) – como relacionamento interpessoal, comunicação e autoconfiança –, exercício do pensamento crítico, flexibilidade cognitiva e atividades extracurriculares, incluindo educação financeira. Nos primeiros anos do ensino formal, será enfatizado o ensino da música e atividades criativas.

A quebra da estrutura convencional estará presente nas formações das classes, não necessariamente divididas por idade, mas pela experiência e interesse dos alunos; e também na forma de avaliar, diferente dos testes convencionais voltados ao conhecimento de conteúdo. E como hoje sabemos que os domínios cognitivos não pertencem a um campo privilegiado e desconexo do físico, o projeto contempla a integração das atividades físicas com as intelectuais.

As investigações de onde partiu o desenho do programa reafirmam o resultado de outras pesquisas. Um relatório da Fundação Carnegie em parceria com a Universidade de Harvard e o Centro de Pesquisa de Stanford aponta que as chamadas competências comportamentais respondem por 85% do sucesso profissional e apenas 15% da fórmula é composta por ingredientes acadêmicos.

No ano passado, o Forum Econômico Mundial divulgou um relatório mostrando que nos próximos anos a automatização irá eliminar 5 milhões de empregos e, em contrapartida, muitas atividades que ainda não existem serão a ocupação de grande parte dos estudantes de hoje. De acordo com o relatório, este mercado em rápida transformação exige e valoriza os atributos que são os diferenciais humanos em relação às máquinas.

Na lista das competências mais necessárias para o mercado do futuro estão, nesta ordem, resolução de problemas complexos, pensamento crítico, criatividade, administração de pessoas, trabalho em equipe, inteligência emocional, tomada de decisões, relacionamento com cliente e flexibilidade cognitiva.

São atributos que mesmo estando naturalmente presentes em muitas pessoas, podem ser adquiridos e exercitados desde a infância. Para isso, parte do tempo em que estudantes ficam sentados ouvindo passivamente precisa ser transformada em desafios que estimulem o envolvimento das crianças.

A educação convencional não apenas deixa de trabalhar habilidades importantes para a vida, como acaba por reprimi-las. Uma educação baseada na cooperação entre alunos e na sua participação ativa na construção de conhecimento, pelo contrário, utiliza-se das tendências naturais das crianças como forma de motivá-las.

Conforme coloca o psicólogo e pesquisador em antropologia e educação Peter Gray, em Free to Learn (Livre Para Aprender, sem edição brasileira) “somos por natureza uma espécie intensamente social, projetada para cooperar. (…) mas apesar dos discursos que estudantes ouvem sobre o valor da cooperação, as próprias escolas trabalham contra esse comportamento. Da maneira como funcionam, ensinam o egocentrismo. A competitividade forçada, as notas e rankings implicitamente ensinam que o dever de cada um é cuidar de si e se sair melhor que os outros”.

Os projetos interdisciplinares, movidos pelo interesse e curiosidade dos alunos, permitem a ampliação do conceito de inteligência para além de capacidades e conhecimentos que podem ser mensurados em testes convencionais. Ensinam e aprimoram a forma como os jovens se relacionam com os outros e com eles mesmos.

 

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