Todas as semanas, faço a pré-seleção de dois ou três títulos infantojuvenis e incentivo as crianças em fase de alfabetização a escolherem um deles para ler com os pais em casa. No encontro seguinte, chegam prontas para reler e contar a história. Quando o livro é bom, essa tarefa – desafiadora para aquelas com dificuldade na compreensão da linguagem – é recebida com entusiasmo. Portanto, preciso ser exigente na seleção da literatura – no mínimo tão exigente quanto as crianças.
Geralmente, os títulos de que mais gostam são também aqueles que oferecem mais possibilidades de desenvolverem as habilidades verbais. Esses têm o potencial de transformar a relação dos pequenos com a linguagem. Acompanho de perto essa transformação, que vem com o aumento do interesse pela língua e pela busca de formas mais elaboradas de se expressarem.
Antes de se apaixonar por um dos livros da minha seleta biblioteca, a pequena Isa estava começando a reconhecer as sílabas e trabalhando para superar suas dificuldades na oralidade. Num dos encontros, chegou correndo com o livro na mão, dessa vez ansiosa para ler comigo aquele que logo virou seu preferido e ganhou o privilégio de visitar sua casa por várias semanas seguidas. A releitura proporcionou a ela familiaridade com o vocabulário, com o som e a grafia daquelas palavras – o que facilitou e acelerou de forma dramática a etapa da alfabetização e a articulação de sua fala. Quanto mais lia, mais gostava. Recitava passagens de cor e se orgulhava dessa capacidade.
Se crianças insistem nas repetições é porque faz parte de seu processo de aprendizagem. Prever o que vai acontecer, bem com o que está escrito, é para elas uma grande satisfação. Por isso, não apenas deixo que levem o mesmo livro sempre que quiserem, como fico orgulhosa quando mostram esse interesse.
Ao contrário do que acreditam muitos professores e pais, o ganho de qualquer habilidade ou conhecimento não está na quantidade de informações apresentadas ou de livros livros. Está na compreensão profunda e consistente de um conteúdo menor. E isso é possível por meio da velha e eficaz repetição.
Alguns educadores se arrepiam quando ouvem essa palavra. Compraram a ideia de que motivação é a nova repetição, como se estivéssemos tratando de recursos opostos e inconciliáveis. A motivação é de fato grande aceleradora da aprendizagem – e apesar do reconhecimento que conquistou, se mantém distante da prática na maioria das escolas. Mas ela não exclui a importância de repetir o que está sendo aprendido. Isso vale para qualquer conhecimento e habilidade.
Para crianças pequenas, repetições são fundamentais para o formação da consciência linguística. A repetição de sons da língua, presente em recursos como rimas e aliterações, constrói a percepção fonológica, que está na base da formação do leitor. E essa habilidade se desenvolve brincando, em momentos de leitura de versos, canções e jogos de linguagem – como a manipulação de fonemas.
Nesta fase da alfabetização, os livrinhos que brincam com sons e rimas são recebidos com entusiamo pelos pequenos leitores, pois mostram que a língua tem ritmo e pode ser divertida. Infelizmente, textos com esses recursos – que deram popularidade à extensa e maravilhosa obra do americano Dr. Seuss – não são facilmente encontrados nas livrarias brasileiras.
O livro que ajudou Isa a aprender a ler estava entre as valiosas narrativas que podem se tornar nossas aliadas no desenvolvimento das habilidades de comunicação das crianças. Mais que provocar a curiosidade com relação à sequência de acontecimentos, os representantes da boa literatura infantojuvenil mantêm os leitores atentos por despertar neles o interesse e fascínio pela linguagem.
Leia também: A falta de ritmo pode indicar problemas de aprendizagem.
Todas as sua matérias achei fantásticas! Gostaria se puder ,que mandasse mais informações sobre o autismo em meninos! Obrigada! Bj
Quando eu postar texto sobre autismo te marco. Mas se quiser agendar um horário para conversar, pode me procurar.
Adoro ler suas reportagens, aprendo muito comelas.
Gratidão!
Oi bom dia. Na BNCC ou nas Diretrizes há alguma citação sobre essa questão da repetição com crianças pequenas? Gostaria de saber para me respaldar a cerca do meu trabalho. Obrigada…
Aline,
A BNCC traz as habilidades que devem ser trabalhadas confirme o nível/idade. A repetição é um dos recursos usados para alcançar essas habilidades.