Amar é um aprendizado constante

Por Michele Müller

Paul Balluriau: little stories

Precisamos dos outros tanto quanto precisamos de alimento e sono. No cérebro humano, o circuito neurológico que representa a dor física é recrutado para processar também a dor social. Em Social – Why Our Brains Are Wired to Connect, o neurocientista Matthew Lieberman, da Universidade da Califórnia, conclui que o fato de não haver demarcação biológica clara entre esses dois tipos de sofrimento é um sinal de que a evolução reconheceu a conexão social como uma necessidade, possivelmente mantendo as crianças próximas dos pais e protegidas.

Mais que garantir a sobrevivência da espécie, nossa sensibilidade diante do abandono, rejeição, ameaças sociais e perdas afetivas permitiu a construção de uma sociedade que evolui em todos os aspectos – inclusive na capacidade de dar afeto e expandir suas relações afetivas para além do núcleo familiar.

Nascemos dependentes de vínculos, mas amar é um aprendizado constante, um exercício consciente que se torna cada vez mais necessário na busca por uma vida significativa. Por isso, amar aos 40 é diferente de amar aos 20, que é diferente de amar aos 10. É uma capacidade que, como qualquer outra, vai sendo moldada pela riqueza de experiências que a vida proporciona, especialmente pela maneira como respondemos às mais doloridas – pois todas as formas de crescimento nascem das dores e do medo, quando aprendemos a enfrentá-los.

A insegurança que sentíamos na falta do colo dos pais nunca nos abandona. Tentamos escondê-la, tentamos negá-la, mas reaparece constantemente com suas múltiplas e confusas lentes com as quais tentamos nos enxergar pelos olhos dos outros. Torna-se algo que evitamos nomear, para não reduzir sua complexidade a um sentimento infantil. Apesar de mais difícil de ser justificado, pode ser resumido com as mesmas palavras: o medo de não ser amado; de não ser aceito ou compreendido. E assim erguemos paredes, que protegem e distanciam. Se é difícil derrubar as próprias, imagina as de outros. Nos protegemos das proteções dos outros, temos medo dos medos deles.

A vulnerabilidade torna tudo complicado quando se disfarça. Despi-la pode provocar a sensação de descobrir-se nu em público – aquele susto que experimentamos nos sonhos de infância. Isso é especialmente verdade quando o amor vem carregado de expectativas. Mas o risco da exposição está também nas versões menos dramáticas como ele pode se manifestar. Pois qualquer forma de amor exige entrega e toda a entrega tem potencial para virar dor. Por isso amar é ter coragem.

Em qualquer ato de coragem, o medo se faz presente, mas as possibilidades de realização justificam os riscos. E nada mais realizador que o sentimento de conexão; que a percepção de que, da mesma forma como não existe delimitação entre as dores, não existem limites claros que nos separam dos outros.

Da perspectiva neurológica, nosso sistema existe em interação com os que nos cercam, sendo continuamente influenciado. Como define o neurocientista David Eagleman, em The Brain – The Story of You, “seus neurônios e os de todos os outros seres do planeta interagem formando um organismo gigante e em transformação. O que demarcamos como você é simplesmente um network que é parte de outro network maior”.

A partir dessa consciência podemos formatar uma sociedade com menos demarcações e mais respeito às dores que não se aliviam em hospitais. Em um nível pessoal, aceitar a própria necessidade de afeto e reconhecê-la nos outros é a via central para a realização. Mas expor a vulnerabilidade é uma habilidade que temos que reaprender constantemente na nossa busca inevitável por vínculos.

E com isso temos a chance de descobrir que a dor e o medo de não ter – ou de perder – são, ao mesmo tempo, o que nos separa e que nos une. Pois as conexões nascem dos medos e fraquezas que temos em comum; nascem do reconhecimento da nossa imperfeição e mortalidade, das dúvidas que dividimos, da nossa busca desesperada por sentido, da força que todos os tipos de beleza exercem sobre nós.

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